‘‘Com terra e madeira foram construídos os abrigos da humanidade. As casas de taipa e adobe de Belmonte, cobertas por telhas de barro cozido, em fornos de barro, com o calor da madeira no fogo. Foi por aí, exatamente, olhando o fazer, que aprendi a fazer também. Sobretudo casas.’’

Zanine Caldas, 1988.

José Zanine Caldas nasceu no ano de 1919 no município de Belmonte, sul da Bahia. Filho de médico, já aos 13 anos começou a desenvolver um forte interesse por maquetaria, fazendo presépios de Natal, usando as caixas de seringa de seu pai.

Um fato muito interessante é que Zanine nunca teve uma formação acadêmica, e isso sempre foi motivo de perseguição por parte de algumas pessoas. No entanto, apesar de não possuir nenhum diploma, ele estudou na chamada “escola da vida”, foi no litoral Baiano, que ele aprendeu a trabalhar a madeira em sua plenitude. Zanine dizia que se espantava ao ver aquele povo simples esculpindo canoas (Fig. 1) e construindo carroças de madeira, foi nesse meio humilde que ele deu seus passos iniciais na arquitetura.

Figura. 1. Zanine observando uma canoa sendo feita por trabalhadores locais.

Em sua adolescência, Zanine fez aulas de desenho, e aos dezoito anos de idade, mesmo sem nenhuma formação universitária, foi tentar a vida como desenhista no escritório Severo & Villares em São Paulo, SP. Nessa época, também foi membro do Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, obtendo um bom conhecimento no tocante à história da arquitetura brasileira. Alguns anos depois, já avançou um pouco mais, abriu sua própria empresa de maquetes no Rio de Janeiro, RJ. Esse foi talvez um dos momentos mais decisivos de sua carreira, pois dessa oficina saíram projetos assinados por grandes nomes da arquitetura brasileira, como por exemplo, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.

Em 1949, na cidade de São José dos Campos, funda junto com alguns sócios a “Móveis Artísticos Z” [1]. Sua fábrica tinha em torno de 150 funcionários, sendo uma das mais prósperas empesas da região. As formas definidas por Zanine para seus móveis eram orgânicas, possibilitadas pelo uso compensado de madeira. Os mobiliários eram assinados por ele até o momento em que saiu da sociedade em meados dos anos de 1953.

Entre os anos de 1950 e 1952, Zanine trabalhou com o arquiteto Alcides da Rocha Miranda na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo). Foi contratado como técnico, mas na verdade, desempenhava o papel de professor acadêmico, ensinando os estudantes a construir maquetes um estudo considerado fundamental na formação de arquitetos, urbanistas e designers. Os alunos desse período foram realmente afortunados, Zanine era um dos maiores maqueteiros (não confunda com marqueteiro) do Brasil. Segundo uma entrevista concedida por ele mesmo, de 1940 à 1955, construiu mais de 720 maquetes.

Figura. 2. Maquete do Estádio do Maracanã.

Depois de um tempo na capital paulista, se transfere para Brasília, onde constrói sua primeira casa de madeira, a Residência Arnaldo Cunha Campos (Fig. 3), inicialmente feita para ele mesmo. Foi também no início da década de 1960, que, a convite de Darcy Ribeiro, e mesmo sem diploma, Zanine integrou o corpo docente da UNB (Universidade de Brasília) como professor de maquete (Fig. 4). Segundo Darcy Ribeiro, Zanine era o tipo de pessoa que era capaz de “usar as mãos”, e esse foi um dos principais motivos pela qual o convite foi feito a ele.

Figura. 3. Residência Arnaldo Cunha Campos.
Figura. 4. Zanine Caldas lecionando na UNB.

Em 1964, com o início do regime militar, Zanine foi afastado de seu cargo de professor na universidade. É notório o papel criminoso que o Partido Comunista exercia como justificativa para a revolução, como assaltos a bancos e outros atrocidades, no entanto, Zanine não fazia parte da guerrilha, já hávia abandonado sua filiação ao Partido Comunista há muitos anos, e só foi cassado porque esqueceu de dar baixa no registro de saída. Durante o regime, Zanine viaja para à Ásia e África, e, retornando ao Rio de Janeiro, constrói sua própria residência, a Casa Cuca (Fig. 5), que representa o início de uma série construída na Joatinga, Zona Oeste da capital carioca.

As casas de Zanine, tinham as seguintes características: Teto de telha de barro, material extremamente comum, mas muito eficaz; telhados de duas águas, uso abundante de madeira como principal componente da estrutura, regionalismo, ou seja, a incorporação da paisagem e seu contexto aos projetos, e muito amor ao trabalho manual, desde às esquadrias até os mais simples mobiliários. Tudo isso foi possivel porque Zanine era um espirito livre, simplesmente porque não tinha nenhum compromisso com os acadêmicos, e sim com o povo. 

Figura. 5. Casa Cuca, Joatinga, Rio de Janeiro, RJ.

No ano de 1968, muda-se para Nova Viçosa, Bahia, e em sua terra natal, abre uma oficina que funciona até 1980. Zanine amava Nova Viçosa, e queria transformar a cidade em um polo artístico, por isso, arquitetou um projeto urbanístico sonhando em criar um lugar em que homem e a natureza estivessem conectados, no entanto, o projeto só ficou no papel.

Figura. 6. Projeto Urbanístico para Nova Viçosa, BA.

Em 1980, de volta ao Rio de Janeiro, fundou o Centro de Desenvolvimento das Aplicações da Madeira (DAM), um núcleo de estímulo à pesquisa sobre o uso das madeiras brasileiras na construção cívil. Seu principal objetivo era evitar a crescente destruição das florestas no país.

Na década de 1980, com a publicação de sua obra na revista Projeto, inicia-se uma polêmica sobre o fato de Caldas ser autodidata. Chegou a ser impedido pelo CREA de levar adiante a construção de alguns projetos. No entanto, vários arquitetos saem em sua defesa, entre eles, Lúcio Costa, que lhe entrega anos mais tarde, o título de arquiteto honoris causa dado pelo IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil).

A partir desse momento, Zanine começa a participar de diversas exposições, sendo a maior delas a do Louvre em Paris, chamada originalmente de “LA ARCHITECTU DE LA FORÉ” (A Arquitetura da Floresta), que aconteceu entre o final de 1989 e o começo de 1990. Essa exposição acabou trazendo-lhe um grande reconhecimento internacional, culminando no recebimento da medalha de prata do Colégio de Arquitetos da França. No mesmo período, deu aulas na escola de arquitetura de Grenoble na França, assim como na Politécnica de Lausanne, na Suíça.

Figura. 7. Residência Ivan Valença, Brasília. Foto: Joana França.

No final de 1980, Zanine trabalha em um de seus maiores legados para o povo brasileiro, ele fez uma pesquisa sobre as casas de taipa, onde posteriormente veio a escrever um livro chamado ‘‘Taipa em Painéis Modulados’’ [2], basicamente, ensinando qualquer pessoa que não tenha condição de construir o seu próprio lar. Em 1998, mudou-se para o Espírito Santo, onde viveu até morrer no dia 20 de dezembro de 2001. Assim foi a vida de Zanine Caldas, artesão, maquetista, designer, escultor, paisagista, arquiteto, urbanista e professor. Um sujeito que tinha a cara do Brasil dentro de sua personalidade.

Figura. 8. Zanine Caldas, o Mestre da Madeira.

Particularmente falando, acredito que Zanine seja o arquiteto que mais represente à arquitetura brasileira, tinha grande preocupação de continuar e renovar a experiencia herdada daqueles que o antecederam, pois conhecia como ninguém a arquitetura do tempo colonial. Diferente de grande parte dos arquitetos dó séc. XX, em vez do concreto de paredes frias, muito presente no modernismo corbusiano, Zanine elegeu os elementos brasileiros como principal matéria-prima de seu trabalho, por isso, eternamente será lembrado como o Mestre da Madeira.

Bibliografia:

1. Carvalho, Amanda Beatriz Palma de. Projetar e construir com madeira: O Legado de José Zanine Caldas. Tese de Mestrado, FAU USP, São Paulo, 2018.

2. HORTA, André. ZANINE: Ser do Arquitetar. Rio de Janeiro: distribuidora desconhecida, 2015. I DVD (80min), documentário color.

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